PROPOSIÇÕES E ENCAMINHAMENTOS PARA A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS ANIMAIS
Os congressistas (ativistas animalistas, defensoras e defensores dos direitos animais, advogadas e advogados animalistas, pesquisadores e pesquisadoras da área, protetoras e protetores independentes, organizações da sociedade civil, coletivos, forças policiais estadual e municipal, membros do Ministério Público, do Judiciário e do Legislativo, dentre outros) reunidos no VII Congresso Brasileiro e IV Congresso Latino-Americano de Bioética e Direito Animal, realizados entre os dias 18 e 20 de outubro de 2023 no Memorial da América Latina desta cidade de São Paulo, aprovam a presente Carta a fim de sobrelevar questões e proposições, conforme abaixo enumerado, bem como recomendam que ao inteiro teor desta Carta sejam dados os devidos encaminhamentos, visando a adoção das medidas necessárias para que estas reivindicações sejam implementadas imediatamente.
- Devemos reconhecer a Terra e a Natureza como sujeitos de direito, em especial por vivermos sob as leis da natureza e compartilharmos com o planeta seus elementos vivos e não-vivos, o tempo e o espaço.
- Animais são seres sensíveis e conscientes. Não é necessário desenvolver relações de afeto para com eles, mas impõe-se não os maltratar ou os submeter a atos de crueldade. Livrá-los de toda forma de uso e abuso é a principal missão do IAA.
- O especismo não é apenas um preconceito cruel e sem lastro científico. É a porta de entrada para muitas mazelas que acometem a saúde planetária, entre as quais a erosão da biodiversidade e as mudanças climáticas.
- A saúde ambiental, animal e humana são vistas sob a perspectiva de Saúde Única. Questiona-se, nesse sentido, em que medida direito animal, direito ambiental e direitos humanos não devem ser tratados como um direito único e, de igual modo, a possibilidade de consagração de um direito à existência digna de todas as formas de vida.
- O manejo industrial de animais, o tráfico de animais silvestres e a deterioração dos seus habitats propiciam o surgimento de pandemias.
- Para uma política de saúde pública eficaz a fim de incrementar a noção de Saúde Única é necessário que os Municípios identifiquem as organizações da sociedade civil, protetores (as) de animais independentes, criadores e outros indivíduos que mantenham contato com felinos, bem como ofereça-lhes imunização contra raiva e outras zoonoses.
- O engajamento da coletividade por meio de participação em espaços democráticos (casas de leis, conselhos deliberativos, ações judiciais e administrativas etc.) é decisivo para a agilização da construção de políticas públicas tendentes a satisfazer as necessidades fundamentais dos animais.
- Apoia-se a aprovação do Projeto de Lei nº 2.387/2022, de relatoria do Deputado Federal Nilto Tatto, que proíbe o abate de equídeos e equinos para o comércio de carne, pele e qualquer outra parte do corpo, para consumo interno ou exportação.
- A partir do precedente oriundo da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 640, todos os animais, inclusive aqueles explorados na pecuária, adquirem o direito à vida e ao tratamento digno, caso resgatados em situação de maus-tratos.
- O julgamento do RE nº 494601/RS, apesar de reconhecer a constitucionalidade do abate de animais nos cultos das religiões de matriz africana, como forma de garantir o direito à liberdade religiosa, ratificou o reconhecimento da dignidade animal, na medida em que colocou, como obrigatoriedade, o respeito ao preceito fundamental proibitivo da crueldade contra os animais.
- O direito do consumidor à informação total, clara e transparente deve ser respeitado pelos fornecedores que explorem animais não humanos, sendo que tal informação (por meio de rotulagem) deve contemplar os métodos de criação, manejo, transporte e abate, cabendo ao Poder Público, especialmente aos Procons, a fiscalização e a punição desses fornecedores, na forma da lei consumerista.
- Os animais não humanos são sujeitos de direito e como tal possuem legitimidade para o acesso à justiça sempre que sofram lesão ou ameaça a seus direitos substantivos. Podem, portanto, ser autores de ações judiciais, desde que devidamente representados em juízo, não podendo o direito adjetivo (processual) ser convertido em óbice ao exercício deste direito fundamental.
- A educação ambiental e animalitária é imprescindível desde os primeiros anos da infância para uma transformação paradigmática rumo a uma sociedade mais igualitária que respeite os animais em sua condição de seres conscientes e sencientes, conforme recomendado pela UNESCO na Declaração de Berlim sobre educação para o desenvolvimento sustentável (EDS) de 2021.
- Mostra-se relevante a reestruturação da grade curricular dos cursos de graduação em Medicina Veterinária de todo o país para que, com a inclusão de disciplinas específicas, levem em conta o melhor manejo, identificação e tratamento de animais silvestres e exóticos.
- Verificado déficit e morosidade na realização de perícias oficiais nos casos de maus-tratos a animais sugere-se, a todos os Estados da Federação, a contratação urgente de peritos criminais médicos-veterinários e implementação de grupos especiais para a realização de perícias oficiais, replicando-se o modelo hoje existente no Município de São Paulo (GTPP-IC).
- A observância da cadeia de custódia, desde o levantamento do local de crime até a destinação de animais vitimados (inclusive cadáveres), é condição para garantir a adequada produção da prova pericial nos crimes de maus-tratos.
- Sugere-se, ainda, a implementação de Delegacias de Polícia especializadas na defesa dos animais, seja para fortalecimento da Polícia Judiciária, seja para propiciar a produção de prova adequada para ser utilizada em Juízo, principalmente tendo em vista a conexão existente entre maus-tratos contra animais e violência contra pessoas, em especial mulheres, idosos, crianças, adolescentes e pessoas portadoras de necessidades especiais.
- As investigações do caso identificado como “rinha de Mairiporã” demonstraram conexão entre luta de cães e crime organizado internacional. Solicita-se às autoridades competentes a adoção das devidas providências para o combate dessa nova modalidade criminosa.
- É importante que o Ministério Público Estadual e Federal, atuem de modo especializado na defesa animal, seja por meio de Grupos de Atuação Especial ou de Coordenadorias Estaduais ou, ainda, Promotorias Especializadas de Defesa Animal ou Ofício Ambiental Faunístico, atendendo ao interesse da União voltado à tutela jurídica da fauna silvestre em risco.
São Paulo/SP, 20 de outubro de 2023.
VANIA TUGLIO
Presidenta do IAA
(este documento foi lido e aprovado pela Assembleia que encerrou os trabalhos do VII Congresso Brasileiro e IV Congresso Latino-Americano de Bioética e Direito Animal, no dia 20/10/2023)